quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Resenha: Yami Shibai – terceira temporada.


O que mais Yami Shibai poderia ter de novidade? Depois de duas temporadas em que vimos que qualquer situação corriqueira pode virar um conto de terror, vemos isso amplificado na terceira temporada.

Se não leu a resenha da primeira temporada, clique aqui.
Se não leu a resenha da segunda temporada, clique aqui.

Resenha da terceira temporada

Cenas da abertura dos episódios da terceira temporada

Como podem ver nas fotos acima, a abertura da terceira temporada é diferente das temporadas anteriores: temos um menino de olhos inexpressivos que ao desenhar em um caderno, canta:

Amigos daquele lado
vêm para este lado...
Amigos deste lado
vêm para aquele lado...

Isto está relacionado ao foco desta temporada de Yami Shibai, que são as mais diversas criaturas assombrosas que se aproveitam do descuido/burrice das personagens e acabam levando elas para “o aquele lado”, onde estas criaturas existem e ditam as regras. Obviamente, nunca há meio de se escapar delas quando as encontra, tornando tudo mais assustador.

Após o fim cada episódio, conseguimos ver o desenho do garotinho de olhos inexpressivos. Trata-se de uma ilustração relacionada às criaturas que aparecem no episódio, indicando que ele é o criador das histórias nesta temporada. No entanto, temos a aparição da icônica máscara amarela do kamishibaya das temporadas anteriores flutuando no ar e cantando para o menino de olhos inexpressivos. Talvez um indício de quem está incentivando o garoto a fazer os desenhos?
Vejam as seguintes cenas do encerramento da terceira temporada.

Encerramento do primeiro episódio

Encerramento do décimo segundo episódio.


Vamos à resenha dos episódios:

Não temam os spoilers. Vão querer ver os episódios mesmo assim.
Episódio 1: Empreste-me. Um rapaz resolve passar em um banho público depois do trabalho. Enquanto toma banho, no lado feminino alguém de voz doce lhe pede objetos emprestados a todo o momento. Até que os pedidos começam a ficar estranhos.

Episódio 2: Túnel. Dois homens estão perdidos em uma estrada, quando decidem entrar em um túnel que não se encontra no mapa...

Episódio 3: Ratos. Um estereótipo de casal acabara de se mudar para uma casa de aluguel barato. A mulher se sente extremamente incomodada com os ratos que infestam a casa e o homem trata isso com pouco caso. Um dia, um dos ratos acaba mordendo o dedo da mulher...

Não nos subestime
Episódio 4: O barulhento quarto do hospital. Em um dos episódios mais perturbadores da temporada, um rapaz que está internado no hospital tem um estranho sonho e depois ouve risadas de uma das salas de cirurgia do hospital...

Episódio 5: Museu da Taxidermia. Durante uma chuva, um casal que passa férias em uma cidade pequena, resolve entrar em um museu de animais empalhados. A mulher se impressiona com estas peças empalhadas, pois, nas palavras dela: “parecem que estão me encarando”...

À noite, somos nós que invadirão seus sonhos

Episódio 6: Festival “daquele lado”. “...amigos desse lado, vão para aquele lado...”. Lembram da abertura do anime? Pois bem, nessa história, Asako e Miki são duas amigas que estão em um festival tipicamente japonês quando se deparam com um painel  cheio de máscaras de personagens folclóricas japonesas. Neste momento, Asako percebe que se perdeu de Miki. Ao perguntar consigo: Para onde Miki foi?, uma das máscaras responde: Para aquele lado. Mas este conto ainda está longe de terminar...

Episódio 7: Atrás. Durante a noite, em uma viagem de campo escolar, um grupo de meninos conversão sobre assuntos aleatórios até um deles comentar sobre um estranho sonho em que todos os seus colegas de sala riem.

Um verdadeiro artista este menino dos desenhos, não é?
Episódio 8: Bonecas do dia das meninas. Um grupo de jovens invade uma casa abandonada onde encontram uma coleção de bonecas japonesas...

Episódio 9: O 4º. Meninas de uma escola comentam sobre uma lenda dos “Homens aperto de mão”, dos quais você deve evitar ao máximo encontrar... Não que ter isso em mente vá te salvar...

Episódio 10: Carrossel. Num parque que fica no alto de um prédio, uma moça resolve andar num carrossel enquanto seu namorado se distrai vendo as fotos tiradas pela sua câmera. Em dado momento, todos no parque começam a agir de maneira estranha, inclusive a moça que repete constantemente para o namorado: Shinji, está vendo?

Episódio 11: Relógio de cuco. Ao visitar sua avó, a pequena Rumi fica tão impressionada com o funcionamento de um relógio de cuco, que fica imitando o som das engrenagens: Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac. Até o cuco sair da sua toca.

Pensa que pode fugir de mim?
Episódio 12: Na água. Durante a noite, um rapaz resolve treinar natação na piscina de sua escola antes de um importante campeonato, cuja vontade de vencer atiça um espírito híbrido de mulher e peixe (uma sereia?) a persegui-lo.

Episódio 13: Desenhos. No último episódio da temporada, prepare-se para uma história que relaciona todos os episódios da temporada e dá uma macabra explicação (até que previsível) de como as criaturas “vêm para esse lado”.

E então? Virá para o nosso lado?
Mas posso lhes garantir que o fim deste episódio não é nem um pouco previsível e causará alguns... bugs e curtos-circuitos no seu cérebro.

Este é você depois de ver os último episódio.
Não se sabe se haverá uma quarta temporada de Yami Shibai, pois está temporada tem certo tom de despedida no último episódio. De qualquer forma, eu só posso dizer que foi uma das animações de terror mais interessantes que já existiram, explorando todos os lugares comuns dos contos de terror com um toque da cultura nipônica.


Agradeço a todos que leram as resenhas de Yami Shibai.

 Nos próximos dias haverá outras resenhas... De filmes e livros bem aleatórios. Até logo.


sábado, 30 de julho de 2016

Símbolos Ressignificados: Olho de Hórus

Hoje, comentaremos um pouco de um símbolo que originalmente representava o deus egípcio Hórus e hoje ainda é usado com as mais diversas funções e significados.

Olho de Hórus

A origem do símbolo

A iconografia deste símbolo é composta por sobrancelha, íris, pálpebras e duas linhas ligadas a estas, representando as lágrimas de dor do deus Hórus quando teve o olho esquerdo ferido na batalha contra o deus do Caos, Seth. O olho esquerdo é chamado de Wedjat e representa a Lua e o olho esquerdo é chamado de Udjat e representa o Sol. O fato de o olho direito ter sido ferido se tornou no Egito Antigo uma explicação para as fases das Lua. Quando o Wedjat e o Udjat se unem, representam todo o Universo e também as forças da Luz, já que o Sol e a Lua são as grandes fontes de luz natural para o nosso planeta.

Possivelmente foi o símbolo mais usado no Egito Antigo por simbolizar proteção e força e, além disso, consideravam que ele tinha poderes mágicos contra o mau olhado e as forças do mal. Também foi associada a animais adorados pelos egípcios como o gato, a gazela e o falcão. Este último era utilizado na representação de Hórus.

Representação do deus Hórus com cabeça de falcão

Utilizações atuais do símbolo

Maçonaria: para os maçons significa que eles sempre são observados pelo Grande Arquiteto do Universo. Não raramente, é colocado dentro de um triângulo pela preferência dos maçons pelo número três.

Religião Wicca: utilizado como amuleto de protetor e energizador, dando ao seu usuário maior poder de clarividência, equilíbrio e poder de cura.

Tradições neo-pagãs: favorece a evolução do terceiro olho, relacionando-se com a clarividência.

Olho de Hórus na subcultura gótica

Não se sabe ao certo como o Olho de Hórus passou a ser considerado símbolo na subcultura gótica, sendo provável que foi incorporado pela sua popularidade e por ser o símbolo egípcio mais conhecido no ocidente juntamente com o ankh, a”cruz egípcia”. No mais, seu significado atual sempre passa como um símbolo de proteção, de elevação e de energia, sendo bastante utilizado em tatuagens, pingentes, objetos decorativos, estampas para camisetas e inspiração para contornar os olhos com delineador.

Fontes

Resenha: Yami Shibai - segunda temporada

Se não leu a resenha da primeira temporada, clique aqui.

Em comparação com a primeira temporada, a segunda temporada não traz mudanças significativas sobre o formato dos episódios, sua duração e arte das personagens No entanto, posso dizer que houve uma melhora significativa nas histórias contadas, com uma tensão bem construída nos cinco minutos de duração de cada episódio.


A melhor plateia do mundo.

Resenha da segunda temporada.

Nesta temporada, o foco são os problemas causados pelos mais diversos objetos, de bonecas a máquinas e de como determinadas vontades se tornam perigosas, atraindo as a seres ou espíritos maléficos aos humanos. Em um episódio é muito comum uma singela vontade se tornar gradualmente uma obsessão que prejudicará a pessoa eternamente. Muitas vezes sequer percebendo o perigo da situação ou ingenuamente acreditando que pode fugir do perigo, as personagens acabam se complicando mais ainda. Vamos aos resumos dos episódios:

ATENÇÃO: SPOILERS À FRENTE!


Leia por sua conta e risco...

1º episódio: Taro-Chan. Taro-chan é um boneco ventríloquo conduzido por um tímido policial em uma reunião sobre segurança no trânsito. Quando um talismã de madeira sai de dentro do boneco, ele começa a agir de maneira estranha...

2º episódio: Cozinha. Mitsuko visita uma amiga de ensino médio que a convidou para almoçar. Enquanto comem, um estranho olho surge no ar-condicionado do apartamento desta amiga...

3º episódio: A última boneca. Nesta história, a causadora dos males é uma matrioska (a famosa “boneca russa”) que afeta psicologicamente uma família aparentemente normal...

Muito bonita esta matrioska, não é?
4º episódio: A moça na parede. Como se não tivesse mais nada o que fazer, um estudante admira a beleza de uma vizinha da janela de seu apartamento. Seu olhar admirado, porém, dará lugar a um semblante aterrorizado muito em breve...

5º episódio: Armário. Mais uma história que envolve uma boneca, que dessa vez é japonesa. A base da narrativa é uma lenda urbana sobre um armário na estação de trem onde esta tenebrosa boneca se encontra...

6º episódio: Nao. Um menino vê um estranho espírito no teto de sua casa. O espírito se chama Nao.

7º episódio: Máquina de brinquedos. Um trabalhador fica obcecado pelo que sai de uma máquina de brinquedos, causando a ele uma esquisita transformação...

Atenção: Yami shibai vicia, aprecie com moderação (se conseguir...).
8º episódio: Confissão de despedida.  Quando uma determinada pessoa morre, cada membro de sua família deve se ajoelhar diante do falecido e confessar um segredo que não se podia falar enquanto ele estava vivo. Trata-se de uma história até que bem humorada...

9º episódio: Ominie-san. Nesta história, Ominie-san é o nome dado a estranha comida de cor roxa... Apenas assistam o desenrolar da história.

10º episódio: Irritado. Um homem irritadiço e sempre estressado registra num diário suas impressões a respeito do dia e das pessoas sem se dar conta que esta será a causa de sua morte.

11º episódio: Adquirindo. Um universitário encontra o manuscrito de um romance inédito no bagageiro de um trem e começar a ler a história como se nada mais existisse a sua volta...

12º episódio: Netsuke. No período Edo do Japão, Netsuke é um objeto esculpido em madeira e marfim, usado por japoneses como adorno para prender alguma bolsa ou sacola à faixa do quimono. Atualmente, é usado por muito japoneses como enfeites em tiras para celulares. A história é sobre uma neta que toma os Netsukes de seu avô como brincos para sua orelha.

13º episódio: Tambores de boas vindas. Para encerrar esta temporada, um episódio envolvendo um deus que protege uma vila há anos, cujo símbolo é um tambor.

E como assistimos estes episódios?
Como disse no post passado, no Brasil, você pode assistir a episódios legendados em português em diversos sites pela internet ou assistir pelo serviço de streaming pago Crunchyroll: http://www.crunchyroll.com/yamishibai-japanese-ghost-stories.

Espero que se divirtam assistindo mais estes treze episódios. No próximo post falaremos da terceira (e última) temporada de Yami Shibai. Até logo.

Fiquem de olhos bem abertos...

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Resenha: Yami Shibai (Histórias de Terror Japonesas) - 1º temporada

Poster promocional de Yami Shibai 
Yami Shibai é uma série de animação japonesa que rendeu, até agora, três temporadas. Não se trata de um anime com um núcleo narrativo central, pois cada episódio apresenta uma história que explora o lado obscuro e sombrio do folclore japonês. Portanto, não se surpreenda se não conhecer as criaturas que aparecem nos episódios. Independentemente disso, você provavelmente não conseguirá parar de assistir episódios de curta duração, com cerca de cinco minutos.

Antes de você vá correndo assistir, algumas curiosidades sobre a série:

O que torna Yami Shibai especial?

A arte da animação é baseada numa técnica de contação de histórias chamada Kamishibai (literalmente: Teatro de papel), que era popular durante a Grande Depressão da década de 1930 e no período pós-guerra no Japão até o advento da televisão durante o século XX. O Kamishibai é realizado por um kamishibaiya (narrador do kamishibai), com conjuntos de placas ilustradas das quais são mudadas em um dispositivo feito de madeira. Conforme se mudam as placas, a história é contada. Conforme se mudam as placas, a história é contada. É bastante usada na contação de história para crianças japonesas até hoje. Abaixo, algumas fotos para exemplificar o Kamishibai.






Exemplos de apresentações de Kamishibai
Agora, comparem com a abertura da primeira temporada da animação:




Percebem as semelhanças? Bem, feitas estas exposição inicial, vamos para a resenha.

Resenha da primeira temporada.

Um velho homem com uma máscara amarela chama as crianças em um parquinho para ouvirem as histórias de terror japonês, pontualmente, às cinco horas da tarde. A música de fundo é alegre inicialmente, porém ganha um tom mais sombrio ao seu final, quando é anunciado o título da história que será contada. A voz do narrador é mansa, mas traz um sutil sarcasmo.

Esta é a descrição da abertura do anime, mas é bem interessante como isto já faz o espectador entrar no clima da história. São histórias que funcionam como contos que trabalham a tensão: você acompanha um desenvolvimento breve de personagens que por uma atitude sem cautela ou por mero acaso acabam sofrendo nas mãos de criaturas que supostamente povoam o Japão há séculos e a partir após este encontro, as personagens estarão perdidas para sempre. Sem exceções.


O destino definitivo de uma das personagens...
Obviamente, esta estrutura de narração busca causar um impacto de maneira rápida e prender a atenção do espectador, além de causar horror. Como o importante contista de horror H. P. Lovecraft fala em “O terror sobrenatural em literatura”, a espécie de medo mais forte e mais antiga que o ser humano possui é o medo do desconhecido. Quanto mais somos ignorantes sobre aquilo que nos cerca, mais temos medo. Isso explica o pavor que sentimos ao ver filmes ou séries e até contos de terror: estamos presenciando um lado do mundo que nos é desconhecido e para nós seres humanos, parece horripilante. No caso de Yami Shibai, as criaturas podem até ser conhecidas pelas personagens, mas mesmo assim, nem mesmo ter o conhecimento te livra completamente dos espíritos, seres ou deuses que aparecem no decorrer dos episódios.


Olhem atrás do garoto...
O que torna mais tenebroso assistir o anime é que as personagens parecem recortes de papel que se movimentam, dando um caráter pouco convencional ao anime ao mesmo tempo em que dá uma verossimilhança absurda às expressões faciais. Quanto à sonoplastia, geralmente é acompanhada por breves sons que anunciam um ponto de tensão na história e bastante comum ouvir o grasnar de corvos (sinal de mau agouro) antes de a personagem encontrar o seu tenebroso destino


Não pense que pode escapar de me assistir...
Resumiremos os treze episódios da primeira temporada. São pequenos textos para instigar vocês a verem os episódios que mais lhes chamem a atenção.

1º episódio: A mulher do talismã. Um homem se muda para um apartamento onde há um talismã (um papel adesivo com palavras) pregado no teto. Desde então, é vigiado por uma mulher rosto pálido, cabelos escuros, longos e soltos e veste um quimono que fica postada na sacada do apartamento vizinho.

2º episódio: Banzai. Um jovem acorda em um hospital com a perna enfaixada. Na mesma sala em que se encontra há um grupo de três idosos que o olham de maneira sinistra.

3º episódio: A regra familiar. Passa-se na zona rural. Uma família tem que se reunir para rir à noite toda e, com isso, evitar que um espírito possua membros da família.

4º episódio: Cabelo. À noite e sozinha, uma professora está preparado material para aula na sala dos professores, quando estranhos riscos negros como fios de cabelo surgem das fotocópias que tirava em uma máquina de xérox.

5º episódio: O andar seguinte. Em um elevador, um homem pensa da seguinte forma sobre sua esposa e filho: “Me deixem em paz de uma vez”. E o elevador desce a andares nem um pouco convencionais...

6º episódio: O bagageiro. No trem, um homem estressado após o dia de trabalho nota uma estranha criatura no bagageiro do vagão onde se encontra.

7º episódio: Contradição. Uma mulher liga para sua amiga e conta ofegante um tenebroso acontecimento que ocorreu enquanto invadia uma casa abandonada.

8º episódio: Deusa do Guarda chuva. Um jovem que visitava um amigo vê uma mulher de quimono que segurava um guarda chuva com a boca.

9º episódio: Amaldiçoada. Uma menina sofre com ódio de um espírito pela sua família.

10º episódio: A lua. Um grupo de jovens jogadores de beisebol conversa sobre um estranho acontecimento ocorrido anos atrás.

11º episódio: O filme. Um grupo de três amigos entediados em fazer lição de casa resolve assistir a um filme que o irmão de um deles fez de um cemitério.

12º episódio: Tomonari-kun. Um grupo de meninos diz brincar com uma estranha sombra na calçada.

13º episódio: O carrasco. Três meninos espionam de uma casa na árvore um estranho ritual familiar.

Saiba que eles estão ansiosos para te conhecer...
***

No Brasil, você pode assistir a episódios legendados em português em diversos sites pela internet ou assistir pelo serviço de streaming pago Crunchyroll: http://www.crunchyroll.com/yamishibai-japanese-ghost-stories.

Nos próximos dias teremos as resenhas da segunda e terceira temporadas. Até logo!

Resenha da segunda temporada.

Fontes:

Lovecraft, H. P.. Terror Sobrenatural em Literatura (Tradução de Celso Mauro Paciornik). Editora Iluminuras, 2008.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Perfil do Escritor: Augusto dos Anjos

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte ? !

Ah ! Um urubu pousou na minha sorte !
Também, das diatomáceas da lagoa
criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte !

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do ultimo verso que eu fizer no mundo!

Trechos de Budismo moderno, de Augusto dos Anjos.

Falaremos um pouco do autor de alguns dos poemas mais interessantes da nossa literatura.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884 no Engenho de Pau d’Arco, no atual município de Sapé, no estado da Paraíba. Foi alfabetizado e instruído até os dezesseis anos pelo seu pai, Alexandre Rodrigues dos Anjos. Em 1900, entra no Liceu Paraibano, em João Pessoa. Lá escreveu seu primeiro soneto: Saudade.

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença

À noite quando em funda soledade
Minh’alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se ascende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.


Liceu Paraibano no início do século XX.

Sempre teve contato íntimo com a leitura, conhecendo pensadores que muito influenciaram sua obra poética e sua visão de mundo. Seus biógrafos costumam destacar os seguintes autores lidos pelo poeta. 
  • Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês com o qual deve ter apreendido a a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade.
  •  Ernst Haeckel (1834-1919), biólogo alemão que propôs a classificação Protista para os seres vivos. Deste cientista, Augusto deve ter se detido nos estudos sobre o reino biológico Monera e que a vida e a morte são fatos químicos.
Estes dois estudiosos eram grandes entusiastas das Teorias da Evolução e da Seleção Natural das espécies, de Charles Darwin.

  • Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão que deve ter lhe chamado a atenção para a necessidade de se libertar da vontade própria para o benefício do próprio ser humano. 
  • Era leitor da Bíblia, que provavelmente aproveitou para contrapor aos ideais iluministas e materialistas que emergiam no fim do século XIX e início do século XX, que negavam a religião como algo que possa explicar o mundo.

Curiosamente, Augusto dos Anjos conduzia reuniões mediúnicas e psicografava apesar de em sua poesia sempre haver ironias e críticas contra a religião de uma forma geral, com ênfase na crítica ao cristianismo.

Em 1903, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, concluindo o curso em 1907. Neste ano, retorna para João Pessoa, onde passa a lecionar Literatura Brasileira em aulas particulares. Em 1908, é nomeado para o cargo de professor no Liceu Paraibano, mas é afastado do cargo em 1910 por ter se desentendido com o governador do estado. No mesmo ano, casou-se com Ester Fialho e muda-se para o Rio de Janeiro, onde foi nomeado professor de Geografia, no Colégio Pedro II.
Publicou seus poemas em diversos jornais e periódicos, lançando apenas um livro em vida, Eu, em 1912, causando espanto nos críticos pelo vocabulário grotesco, cheio de referências à putrefação.
Na reta final de sua vida, mudou-se para a cidade de Leopoldina, no estado das Minas Gerais, quando foi nomeado Diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. No mesmo ano em que se mudou para esta cidade, faleceu de pneumonia após uma longa gripe em 12 de novembro de 1914. Morreu aos 30 anos de idade.
Após sua morte, o amigo Órris Soares organiza a publicação Eu e Outras Poesias, incluindo poemas não publicados em vida pelo autor.

Considerando o objetivo do nosso blog, antes de discorrer sobre alguns poemas deste importante poeta brasileiro, é necessário um questionamento:

Augusto dos Anjos é um escritor gótico? Bem, não há uma definição certa sobre o que faz uma poesia ou um conto serem góticos, mas geralmente assim consideramos quando o texto literário apresenta certos lugares-comuns como representações fantásticas e simbólicas que expressam certa angústia com uma melancolia densa, mesmo que não se faça referência a lugares considerados decadentes, antigos ou medievais como castelos, cavernas, casas abandonadas, etc.. Portanto, mais importante que apresentar estes locais físicos, um poema considerado gótico impactante deve apresentar um eu lírico (quem fala no poema) com uma angústia tão densa em relação à vida, muitas vezes através da antevisão da morte e uma incapacidade de agir no mundo. Todas estas sensações podemos encontrar na poesia de Augusto dos Anjos.

No entanto, sua poesia passou para a posteridade como um emaranhado de influências diversas como as escolas literárias parnasiana e simbolista, da poesia cientificista e, apesar disso, foi considerado pré-modernista. Por isso rotulá-lo como “escritor gótico” pode soar esquisito para muitas pessoas que não têm um contato mais íntimo com a subcultura gótica. No entanto, neste texto tentaremos pensar seus poemas desta maneira. São muitos os poemas que poderíamos analisar brevemente, então decidimos lhes apresentar algum menos conhecidos (mas nem por isso, menos angustiantes), como o poema “O Morcego”.

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede.”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto ?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, á noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Trata-se de um soneto bastante narrativo, sem muita referência a termos típicos da biologia ou imagens poéticas tão assombrosas e fortes se comparados a outros poemas de Augusto. Primeiramente, por que a escolha do morcego como metáfora para a “Consciência Humana?

Para quem já teve um morcego invadindo a casa, sabe como é difícil fazer ele sair. O mamífero voador costuma se debater no teto do cômodo que invade e nem adianta tentar espantá-lo com um cabo de vassoura, isso confunde mais os sentidos do bicho que, como sabem, é praticamente cego. Além disso, é um ser alado de hábitos noturnos, com uma aparência que não agrada a muitos seres humanos, associando-o ao sombrio e ao vampirismo, visto que algumas espécies de morcego se alimentam de sangue de outros mamíferos (no Brasil são mais comuns espécies que se alimentam se insetos e frutas). O trunfo deste soneto é nos guiar por uma narração que vai descrevendo exatamente essas atitudes e algumas destas características do morcego, para depois revelá-lo com uma criatura quase fantástica que, para a mente do eu lírico, representa a Consciência humana ou os pensamentos que fazemos de tudo para negar, mas que às vezes surgem para nos atormentar pouco antes do sono.

Uma foto de morcego
Não é possível saber se Augusto fez esta associação, mas podemos entender como uma mistura de realidade e sonho em que o a Consciência às vezes é tão incômoda quando surge à noite, no momento exato que se está para dormir. Por mais que se queira espantar os pensamentos que surgem neste momento, eles continuam insistentemente ecoando na nossa mente, nos impedindo de dormir. Por mais que você afirme “Não vou pensar mais nisso” ou, nas palavras do eu lírico, “Vou levantar outra parede”, nada pode afastar os pensamento incômodos. A noite parece despertar estes pensamentos mais incômodos, e acabamos por remoê-los até nos cansar e dormir. Ou não dormir, dependendo a intensidade com que eles nos invadem.

Augusto dos Anjos não é o primeiro a pensar animais alados de hábitos noturnos como metáfora para os pensamentos incômodos que nos atacam à noite. O artista Francisco de Goya possui uma gravura bastante peculiar sobre este tema.
O sono da razão produz monstros, de Francisco de Goya.

Um exemplo de soneto menos narrativo:

Vês?.'Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua ultima chi mera.
Somente a Ingratidão - esta pantera
Foi tua companheira inseparável !

Acostuma-te á lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fosforoAcende teu cigarro !
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Si a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija !

Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos.

Em Versos íntimos, escrito em 1901, temos toda a angústia de Augusto. Nós interpretamos o poema desta maneira:

Na primeira estrofe, temos a associação de sentimentos humanos a figuras ferozes e que nos causam medo, como a pantera.

Na segunda estrofe, uma perspectiva que o ser humano precisa se tornar feroz e egoísta como os outros para sobreviver. Uma maneira bem sombria de ver o determinismo científico em voga na época, que postulava que o ser humano é influenciado pelo meio em que vive.

Na terceira estrofe, temos um momento de ansiedade enquanto se tenta relaxar (acender um cigarro) contrastando com a completa desconfiança em relação as pessoas mais próximas.

Por fim, na quarta estrofe temos a conclusão do ponto de vista pessimista em relação à humanidade construída poeticamente nas estrofes anteriores, quase como aconselhando o seu leitor a compactuar deste ponto de vista. Versos íntimos é de fato um mergulho no íntimo de Augusto dos Anjos e como ele observava o mundo ao seu redor. Aparentemente, Augusto colocou tanto de si em suas poesias, que as utilizou como uma definição do que ele era. Talvez por isso tenha intitulado seu único livro de poemas como “Eu”.

Algumas curiosidades:
  • A escritora Ana Miranda romanceou a vida de Augusto dos Anjos no livro A Última Quimera (Companhia das Letras).
  • O cantor Arnaldo Antunes chegou a musicar o poema Budismo Moderno, que podem ler no início deste texto. A canção se encontra no álbum Ninguém, lançado em 1995.
  • A poesia de Augusto dos Anjos encontra-se em domínio público, portanto vários de seus poemas são possíveis de se achar pela a internet.
  • Sugestão: procure comprar ou baixar o livro “Eu e outras poesias”, a experiência com a poesia de Augusto dos Anjos torna-se mais rica quando você lê o primeiro poema do livro, “Monólogo de uma Sombra”, antes de ler os seguintes.
  • Há um memorial dedicado ao poeta na cidade de Sapé, na Paraíba.
  • Há um museu em Leopoldina, nas Minas Gerais, na casa onde Augusto passou os seus últimos dias.

Fontes:


Anjos, Augusto dos. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.