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Álvares de Azevedo |
Quando meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quro que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Trecho do poema Lembrança de Morrer, de Álvares de Azevedo.
E assim estreamos o tópico Perfil do Escritor, no qual apresentaremos alguns autores relacionados com a literatura e cultura gótica no Brasil e no mundo! E começaremos pelo precursor deste tipo de literatura no Brasil.
Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em 1832, na cidade de São Paulo, mais exatamente na casa de sua avô situado à Rua Quintino Bocaiúva, próxima à Faculdade de Direito. Aos dois anos de idade, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, cidade onde sofreria com a morte do irmão em 1835 e seria matriculado no colégio Stoll, com nove anos de idade, sendo um aluno extremamente elogiado em todas as disciplinas escolares, exceto em uma: educação física. Em 1845, ingressa no internato Pedro II, conhecendo ali o professor de filosofia Domingos José Gonçalves de Magalhães (o mesmo que introduziu a poesia romântica no Brasil), que muito contribuiu para sua formação intelectual.
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Faculdade de Direito de São Paulo no século XIX |
Em 1º de março de 1848, com dezessete anos, Álvares matricula-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Neste ponto, sua vida intelectual e social se adensa, fazendo amigos como Bernardo Guimarães (futuro autor de A Escrava Isaura), Aureliano Lessa, entre outros nos quais manteve contato numa república de estudantes localizada na Chácara dos Ingleses. Foi nesta época também que toda sua obra conhecida começou a ser escrita. Primeiramente, escreveu O conde de Lopo, poema narrativo que somente foi publicado em 1886, muitos anos após sua morte. Traduziu obras como Parisina, de Lord Byron e o quinto ato de Otelo, de Shakespeare e participou da fundação da sociedade Ensaio Filosófico juntamente com a criação de revista homônima. Em 1850, planeja a criação de uma jornal literário que teria o nome de Crepúsculo ou Estrela, projeto que nunca foi adiante e publica a peça e teatral Macário.
Nos quatro anos em que cursou Direito, Álvares se dedicou aos livros e aos poemas até adoecer de tuberculose e de um tumor possivelmente agravados após sofrer uma queda do cavalo num passeio pelo Rio de Janeiro, em março de 1952. O poeta é operado, mas não resiste, falecendo em 25 de abril do mesmo ano, durante o domingo de páscoa. Em seu enterro, o escritor Joaquim Manuel de Macedo leria o poema Se eu morresse amanhã, que Álvares de Azevedo escrevera poucos dias antes de seu falecimento, no qual podemos notar as esperanças do jovem prodígio se esvaindo.
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva!
Acorde a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morre amanhã!
A maior parte da obra de Álvares de Azevedo é publicada postumamente. Lira dos Vinte anos e Poesias Diversas são publicadas em 1853 e a narrativa Noite na Taverna, em 1855.
Atualmente, muitos brasileiros têm o contato inicial com sua obra durante as aulas de literatura do Ensino Médio, quando se ensina o período literário conhecido como Ultrarromantismo ou 2ª fase do romantismo no Brasil, período em que nossos poetas foram fortemente influenciados pelas poesias de Lord Byron (1788-1824) e Alfred de Musset (1810-1857). Ou seja, neste período, além de outras características típicas do romantismo, há uma forte carga de solidão, morbidez, idealização do amor e saudosismo. Segundo Mario de Andrade, ensaísta e escritor modernista, os ultrarromânticos temiam a consumação da relação amorosa, explicando a constante menção ao ideal feminino com figuras assexuadas e idealizadas como anjo, virgem, criança, entre outros. Podemos ler a citação a essas figuras idealizadas na primeira parte de Lira dos Vinte Anos.
Não chorem!que não morreu!
Era um anjinho do céu.
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!
Pobre criança! dormia:
A beleza reluzia
No carmim da face dela!
Tinha uns olhinhos que choravam,
Tinha uns risos que encantavam!
Ai meu Deus! era tão bela!
(...)
Trecho de Anjinho, de Álvares de Azevedo.
Neste excerto podemos ver também o uso de letras minúsculas em início de frase no primeiro, sétimo e décimo segundo versos e o uso de versos livres, indicando a liberdade com que muitos poetas desse período compunham seus poemas numa ideia de liberdade criativa do ser humano em que o conteúdo era mais importante que a forma, sendo comuns deslizes gramaticais.
Em contrapartida às figuras idealizadas e ao amor romântico, Álvares ironiza ambos nos poemas que compõem a segunda parte da mesma Lira, como no poema É ela!É ela!É ela!É ela!
É ela! é ela! - murmurei tremendo,
e o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
a minha lavadeira na janela
(...)
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
(...)
A Lira dos Vinte anos foi o único livro de poesias de Álvares organizou para publicação. Dividiu os poemas em duas partes, cada um com seu prefácio: a primeira, que nas palavras dele São os primeiros cantos de um pobre poeta, e a segunda, na qual dissipa-se o mundo visionário e platônico.
Em resumo, na primeira parte temos poesias numa temática mais sentimental, com receio perante o amor carnal e fascínio pela morte; na segunda parte temos poemas de amor romântico e sarcástico.
Ainda no prefácio da segunda parte, temos a explicação para essa divisão:
É que a unidade desse livro funda-se na binômia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
Vinte anos após a primeira publicação de Lira, o crítico Joaquim Noberto incluiu uma terceira parte ao livro com poema que seriam uma continuação da primeira parte. Outros poemas foram reunidos no livro intitulado Poemas diversos; Os poemas longos Poema do Frade e O Conde Lopo são publicados separadamente dos outros livros de poesia.
Álvares escreveu duas narrativas: Noite na Taverna e Fra Gondicario, sendo que a primeira é mais conhecida e bastante lembrada por alguns como o primeiro livro brasileiro inserido no âmbito da literatura gótica. Não vamos nos delongar muito sobre esse livro agora, pois futuramente pretendemos escrever uma resenha sobre ele. No entanto, para terem uma base, Noite na Taverna é uma narrativa em que cinco jovens europeus bêbados se reúnem em uma taverna e contam suas histórias sobre supostas experiências com cadáveres, canibalismo, o amor idealizado se contrapondo ao real e assassinatos passionais em ambientes que constantemente evocam à morte e à solidão, sendo que uma dessas histórias se relaciona com o final de toda a narrativa.
No teatro, Álvares publicou Macário, peça em que o personagem homônimo tem uma discussão bastante interessante sobre as concepções de amor com seu amigo Penseroso. Curiosamente, é uma peça que, em alguns momentos, se remete ironicamente à pacata cidade de São Paulo de meados do século XIX, cidade na qual o poeta passou os anos na Faculdade de Direito.
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Mosteiro da Luz na segunda metade do século XIX. |
Por fim, como incentivo a lerem as obras desse autor, saibam que suas obras são de Domínio Público e podem ser encontradas na internet.
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Herma de Álvares de Azevedo em frente da Faculdade de Direito (atualmente, parte da USP) |
Fontes:
Azevedo, Álvares. Noite na Taverna e Lira dos Vinte anos. EDELBRA: Erechim-RS
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