sábado, 30 de julho de 2016

Símbolos Ressignificados: Olho de Hórus

Hoje, comentaremos um pouco de um símbolo que originalmente representava o deus egípcio Hórus e hoje ainda é usado com as mais diversas funções e significados.

Olho de Hórus

A origem do símbolo

A iconografia deste símbolo é composta por sobrancelha, íris, pálpebras e duas linhas ligadas a estas, representando as lágrimas de dor do deus Hórus quando teve o olho esquerdo ferido na batalha contra o deus do Caos, Seth. O olho esquerdo é chamado de Wedjat e representa a Lua e o olho esquerdo é chamado de Udjat e representa o Sol. O fato de o olho direito ter sido ferido se tornou no Egito Antigo uma explicação para as fases das Lua. Quando o Wedjat e o Udjat se unem, representam todo o Universo e também as forças da Luz, já que o Sol e a Lua são as grandes fontes de luz natural para o nosso planeta.

Possivelmente foi o símbolo mais usado no Egito Antigo por simbolizar proteção e força e, além disso, consideravam que ele tinha poderes mágicos contra o mau olhado e as forças do mal. Também foi associada a animais adorados pelos egípcios como o gato, a gazela e o falcão. Este último era utilizado na representação de Hórus.

Representação do deus Hórus com cabeça de falcão

Utilizações atuais do símbolo

Maçonaria: para os maçons significa que eles sempre são observados pelo Grande Arquiteto do Universo. Não raramente, é colocado dentro de um triângulo pela preferência dos maçons pelo número três.

Religião Wicca: utilizado como amuleto de protetor e energizador, dando ao seu usuário maior poder de clarividência, equilíbrio e poder de cura.

Tradições neo-pagãs: favorece a evolução do terceiro olho, relacionando-se com a clarividência.

Olho de Hórus na subcultura gótica

Não se sabe ao certo como o Olho de Hórus passou a ser considerado símbolo na subcultura gótica, sendo provável que foi incorporado pela sua popularidade e por ser o símbolo egípcio mais conhecido no ocidente juntamente com o ankh, a”cruz egípcia”. No mais, seu significado atual sempre passa como um símbolo de proteção, de elevação e de energia, sendo bastante utilizado em tatuagens, pingentes, objetos decorativos, estampas para camisetas e inspiração para contornar os olhos com delineador.

Fontes

Resenha: Yami Shibai - segunda temporada

Se não leu a resenha da primeira temporada, clique aqui.

Em comparação com a primeira temporada, a segunda temporada não traz mudanças significativas sobre o formato dos episódios, sua duração e arte das personagens No entanto, posso dizer que houve uma melhora significativa nas histórias contadas, com uma tensão bem construída nos cinco minutos de duração de cada episódio.


A melhor plateia do mundo.

Resenha da segunda temporada.

Nesta temporada, o foco são os problemas causados pelos mais diversos objetos, de bonecas a máquinas e de como determinadas vontades se tornam perigosas, atraindo as a seres ou espíritos maléficos aos humanos. Em um episódio é muito comum uma singela vontade se tornar gradualmente uma obsessão que prejudicará a pessoa eternamente. Muitas vezes sequer percebendo o perigo da situação ou ingenuamente acreditando que pode fugir do perigo, as personagens acabam se complicando mais ainda. Vamos aos resumos dos episódios:

ATENÇÃO: SPOILERS À FRENTE!


Leia por sua conta e risco...

1º episódio: Taro-Chan. Taro-chan é um boneco ventríloquo conduzido por um tímido policial em uma reunião sobre segurança no trânsito. Quando um talismã de madeira sai de dentro do boneco, ele começa a agir de maneira estranha...

2º episódio: Cozinha. Mitsuko visita uma amiga de ensino médio que a convidou para almoçar. Enquanto comem, um estranho olho surge no ar-condicionado do apartamento desta amiga...

3º episódio: A última boneca. Nesta história, a causadora dos males é uma matrioska (a famosa “boneca russa”) que afeta psicologicamente uma família aparentemente normal...

Muito bonita esta matrioska, não é?
4º episódio: A moça na parede. Como se não tivesse mais nada o que fazer, um estudante admira a beleza de uma vizinha da janela de seu apartamento. Seu olhar admirado, porém, dará lugar a um semblante aterrorizado muito em breve...

5º episódio: Armário. Mais uma história que envolve uma boneca, que dessa vez é japonesa. A base da narrativa é uma lenda urbana sobre um armário na estação de trem onde esta tenebrosa boneca se encontra...

6º episódio: Nao. Um menino vê um estranho espírito no teto de sua casa. O espírito se chama Nao.

7º episódio: Máquina de brinquedos. Um trabalhador fica obcecado pelo que sai de uma máquina de brinquedos, causando a ele uma esquisita transformação...

Atenção: Yami shibai vicia, aprecie com moderação (se conseguir...).
8º episódio: Confissão de despedida.  Quando uma determinada pessoa morre, cada membro de sua família deve se ajoelhar diante do falecido e confessar um segredo que não se podia falar enquanto ele estava vivo. Trata-se de uma história até que bem humorada...

9º episódio: Ominie-san. Nesta história, Ominie-san é o nome dado a estranha comida de cor roxa... Apenas assistam o desenrolar da história.

10º episódio: Irritado. Um homem irritadiço e sempre estressado registra num diário suas impressões a respeito do dia e das pessoas sem se dar conta que esta será a causa de sua morte.

11º episódio: Adquirindo. Um universitário encontra o manuscrito de um romance inédito no bagageiro de um trem e começar a ler a história como se nada mais existisse a sua volta...

12º episódio: Netsuke. No período Edo do Japão, Netsuke é um objeto esculpido em madeira e marfim, usado por japoneses como adorno para prender alguma bolsa ou sacola à faixa do quimono. Atualmente, é usado por muito japoneses como enfeites em tiras para celulares. A história é sobre uma neta que toma os Netsukes de seu avô como brincos para sua orelha.

13º episódio: Tambores de boas vindas. Para encerrar esta temporada, um episódio envolvendo um deus que protege uma vila há anos, cujo símbolo é um tambor.

E como assistimos estes episódios?
Como disse no post passado, no Brasil, você pode assistir a episódios legendados em português em diversos sites pela internet ou assistir pelo serviço de streaming pago Crunchyroll: http://www.crunchyroll.com/yamishibai-japanese-ghost-stories.

Espero que se divirtam assistindo mais estes treze episódios. No próximo post falaremos da terceira (e última) temporada de Yami Shibai. Até logo.

Fiquem de olhos bem abertos...

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Resenha: Yami Shibai (Histórias de Terror Japonesas) - 1º temporada

Poster promocional de Yami Shibai 
Yami Shibai é uma série de animação japonesa que rendeu, até agora, três temporadas. Não se trata de um anime com um núcleo narrativo central, pois cada episódio apresenta uma história que explora o lado obscuro e sombrio do folclore japonês. Portanto, não se surpreenda se não conhecer as criaturas que aparecem nos episódios. Independentemente disso, você provavelmente não conseguirá parar de assistir episódios de curta duração, com cerca de cinco minutos.

Antes de você vá correndo assistir, algumas curiosidades sobre a série:

O que torna Yami Shibai especial?

A arte da animação é baseada numa técnica de contação de histórias chamada Kamishibai (literalmente: Teatro de papel), que era popular durante a Grande Depressão da década de 1930 e no período pós-guerra no Japão até o advento da televisão durante o século XX. O Kamishibai é realizado por um kamishibaiya (narrador do kamishibai), com conjuntos de placas ilustradas das quais são mudadas em um dispositivo feito de madeira. Conforme se mudam as placas, a história é contada. Conforme se mudam as placas, a história é contada. É bastante usada na contação de história para crianças japonesas até hoje. Abaixo, algumas fotos para exemplificar o Kamishibai.






Exemplos de apresentações de Kamishibai
Agora, comparem com a abertura da primeira temporada da animação:




Percebem as semelhanças? Bem, feitas estas exposição inicial, vamos para a resenha.

Resenha da primeira temporada.

Um velho homem com uma máscara amarela chama as crianças em um parquinho para ouvirem as histórias de terror japonês, pontualmente, às cinco horas da tarde. A música de fundo é alegre inicialmente, porém ganha um tom mais sombrio ao seu final, quando é anunciado o título da história que será contada. A voz do narrador é mansa, mas traz um sutil sarcasmo.

Esta é a descrição da abertura do anime, mas é bem interessante como isto já faz o espectador entrar no clima da história. São histórias que funcionam como contos que trabalham a tensão: você acompanha um desenvolvimento breve de personagens que por uma atitude sem cautela ou por mero acaso acabam sofrendo nas mãos de criaturas que supostamente povoam o Japão há séculos e a partir após este encontro, as personagens estarão perdidas para sempre. Sem exceções.


O destino definitivo de uma das personagens...
Obviamente, esta estrutura de narração busca causar um impacto de maneira rápida e prender a atenção do espectador, além de causar horror. Como o importante contista de horror H. P. Lovecraft fala em “O terror sobrenatural em literatura”, a espécie de medo mais forte e mais antiga que o ser humano possui é o medo do desconhecido. Quanto mais somos ignorantes sobre aquilo que nos cerca, mais temos medo. Isso explica o pavor que sentimos ao ver filmes ou séries e até contos de terror: estamos presenciando um lado do mundo que nos é desconhecido e para nós seres humanos, parece horripilante. No caso de Yami Shibai, as criaturas podem até ser conhecidas pelas personagens, mas mesmo assim, nem mesmo ter o conhecimento te livra completamente dos espíritos, seres ou deuses que aparecem no decorrer dos episódios.


Olhem atrás do garoto...
O que torna mais tenebroso assistir o anime é que as personagens parecem recortes de papel que se movimentam, dando um caráter pouco convencional ao anime ao mesmo tempo em que dá uma verossimilhança absurda às expressões faciais. Quanto à sonoplastia, geralmente é acompanhada por breves sons que anunciam um ponto de tensão na história e bastante comum ouvir o grasnar de corvos (sinal de mau agouro) antes de a personagem encontrar o seu tenebroso destino


Não pense que pode escapar de me assistir...
Resumiremos os treze episódios da primeira temporada. São pequenos textos para instigar vocês a verem os episódios que mais lhes chamem a atenção.

1º episódio: A mulher do talismã. Um homem se muda para um apartamento onde há um talismã (um papel adesivo com palavras) pregado no teto. Desde então, é vigiado por uma mulher rosto pálido, cabelos escuros, longos e soltos e veste um quimono que fica postada na sacada do apartamento vizinho.

2º episódio: Banzai. Um jovem acorda em um hospital com a perna enfaixada. Na mesma sala em que se encontra há um grupo de três idosos que o olham de maneira sinistra.

3º episódio: A regra familiar. Passa-se na zona rural. Uma família tem que se reunir para rir à noite toda e, com isso, evitar que um espírito possua membros da família.

4º episódio: Cabelo. À noite e sozinha, uma professora está preparado material para aula na sala dos professores, quando estranhos riscos negros como fios de cabelo surgem das fotocópias que tirava em uma máquina de xérox.

5º episódio: O andar seguinte. Em um elevador, um homem pensa da seguinte forma sobre sua esposa e filho: “Me deixem em paz de uma vez”. E o elevador desce a andares nem um pouco convencionais...

6º episódio: O bagageiro. No trem, um homem estressado após o dia de trabalho nota uma estranha criatura no bagageiro do vagão onde se encontra.

7º episódio: Contradição. Uma mulher liga para sua amiga e conta ofegante um tenebroso acontecimento que ocorreu enquanto invadia uma casa abandonada.

8º episódio: Deusa do Guarda chuva. Um jovem que visitava um amigo vê uma mulher de quimono que segurava um guarda chuva com a boca.

9º episódio: Amaldiçoada. Uma menina sofre com ódio de um espírito pela sua família.

10º episódio: A lua. Um grupo de jovens jogadores de beisebol conversa sobre um estranho acontecimento ocorrido anos atrás.

11º episódio: O filme. Um grupo de três amigos entediados em fazer lição de casa resolve assistir a um filme que o irmão de um deles fez de um cemitério.

12º episódio: Tomonari-kun. Um grupo de meninos diz brincar com uma estranha sombra na calçada.

13º episódio: O carrasco. Três meninos espionam de uma casa na árvore um estranho ritual familiar.

Saiba que eles estão ansiosos para te conhecer...
***

No Brasil, você pode assistir a episódios legendados em português em diversos sites pela internet ou assistir pelo serviço de streaming pago Crunchyroll: http://www.crunchyroll.com/yamishibai-japanese-ghost-stories.

Nos próximos dias teremos as resenhas da segunda e terceira temporadas. Até logo!

Resenha da segunda temporada.

Fontes:

Lovecraft, H. P.. Terror Sobrenatural em Literatura (Tradução de Celso Mauro Paciornik). Editora Iluminuras, 2008.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Perfil do Escritor: Augusto dos Anjos

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte ? !

Ah ! Um urubu pousou na minha sorte !
Também, das diatomáceas da lagoa
criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte !

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do ultimo verso que eu fizer no mundo!

Trechos de Budismo moderno, de Augusto dos Anjos.

Falaremos um pouco do autor de alguns dos poemas mais interessantes da nossa literatura.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884 no Engenho de Pau d’Arco, no atual município de Sapé, no estado da Paraíba. Foi alfabetizado e instruído até os dezesseis anos pelo seu pai, Alexandre Rodrigues dos Anjos. Em 1900, entra no Liceu Paraibano, em João Pessoa. Lá escreveu seu primeiro soneto: Saudade.

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença

À noite quando em funda soledade
Minh’alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se ascende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.


Liceu Paraibano no início do século XX.

Sempre teve contato íntimo com a leitura, conhecendo pensadores que muito influenciaram sua obra poética e sua visão de mundo. Seus biógrafos costumam destacar os seguintes autores lidos pelo poeta. 
  • Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês com o qual deve ter apreendido a a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade.
  •  Ernst Haeckel (1834-1919), biólogo alemão que propôs a classificação Protista para os seres vivos. Deste cientista, Augusto deve ter se detido nos estudos sobre o reino biológico Monera e que a vida e a morte são fatos químicos.
Estes dois estudiosos eram grandes entusiastas das Teorias da Evolução e da Seleção Natural das espécies, de Charles Darwin.

  • Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão que deve ter lhe chamado a atenção para a necessidade de se libertar da vontade própria para o benefício do próprio ser humano. 
  • Era leitor da Bíblia, que provavelmente aproveitou para contrapor aos ideais iluministas e materialistas que emergiam no fim do século XIX e início do século XX, que negavam a religião como algo que possa explicar o mundo.

Curiosamente, Augusto dos Anjos conduzia reuniões mediúnicas e psicografava apesar de em sua poesia sempre haver ironias e críticas contra a religião de uma forma geral, com ênfase na crítica ao cristianismo.

Em 1903, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, concluindo o curso em 1907. Neste ano, retorna para João Pessoa, onde passa a lecionar Literatura Brasileira em aulas particulares. Em 1908, é nomeado para o cargo de professor no Liceu Paraibano, mas é afastado do cargo em 1910 por ter se desentendido com o governador do estado. No mesmo ano, casou-se com Ester Fialho e muda-se para o Rio de Janeiro, onde foi nomeado professor de Geografia, no Colégio Pedro II.
Publicou seus poemas em diversos jornais e periódicos, lançando apenas um livro em vida, Eu, em 1912, causando espanto nos críticos pelo vocabulário grotesco, cheio de referências à putrefação.
Na reta final de sua vida, mudou-se para a cidade de Leopoldina, no estado das Minas Gerais, quando foi nomeado Diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. No mesmo ano em que se mudou para esta cidade, faleceu de pneumonia após uma longa gripe em 12 de novembro de 1914. Morreu aos 30 anos de idade.
Após sua morte, o amigo Órris Soares organiza a publicação Eu e Outras Poesias, incluindo poemas não publicados em vida pelo autor.

Considerando o objetivo do nosso blog, antes de discorrer sobre alguns poemas deste importante poeta brasileiro, é necessário um questionamento:

Augusto dos Anjos é um escritor gótico? Bem, não há uma definição certa sobre o que faz uma poesia ou um conto serem góticos, mas geralmente assim consideramos quando o texto literário apresenta certos lugares-comuns como representações fantásticas e simbólicas que expressam certa angústia com uma melancolia densa, mesmo que não se faça referência a lugares considerados decadentes, antigos ou medievais como castelos, cavernas, casas abandonadas, etc.. Portanto, mais importante que apresentar estes locais físicos, um poema considerado gótico impactante deve apresentar um eu lírico (quem fala no poema) com uma angústia tão densa em relação à vida, muitas vezes através da antevisão da morte e uma incapacidade de agir no mundo. Todas estas sensações podemos encontrar na poesia de Augusto dos Anjos.

No entanto, sua poesia passou para a posteridade como um emaranhado de influências diversas como as escolas literárias parnasiana e simbolista, da poesia cientificista e, apesar disso, foi considerado pré-modernista. Por isso rotulá-lo como “escritor gótico” pode soar esquisito para muitas pessoas que não têm um contato mais íntimo com a subcultura gótica. No entanto, neste texto tentaremos pensar seus poemas desta maneira. São muitos os poemas que poderíamos analisar brevemente, então decidimos lhes apresentar algum menos conhecidos (mas nem por isso, menos angustiantes), como o poema “O Morcego”.

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede.”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto ?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, á noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Trata-se de um soneto bastante narrativo, sem muita referência a termos típicos da biologia ou imagens poéticas tão assombrosas e fortes se comparados a outros poemas de Augusto. Primeiramente, por que a escolha do morcego como metáfora para a “Consciência Humana?

Para quem já teve um morcego invadindo a casa, sabe como é difícil fazer ele sair. O mamífero voador costuma se debater no teto do cômodo que invade e nem adianta tentar espantá-lo com um cabo de vassoura, isso confunde mais os sentidos do bicho que, como sabem, é praticamente cego. Além disso, é um ser alado de hábitos noturnos, com uma aparência que não agrada a muitos seres humanos, associando-o ao sombrio e ao vampirismo, visto que algumas espécies de morcego se alimentam de sangue de outros mamíferos (no Brasil são mais comuns espécies que se alimentam se insetos e frutas). O trunfo deste soneto é nos guiar por uma narração que vai descrevendo exatamente essas atitudes e algumas destas características do morcego, para depois revelá-lo com uma criatura quase fantástica que, para a mente do eu lírico, representa a Consciência humana ou os pensamentos que fazemos de tudo para negar, mas que às vezes surgem para nos atormentar pouco antes do sono.

Uma foto de morcego
Não é possível saber se Augusto fez esta associação, mas podemos entender como uma mistura de realidade e sonho em que o a Consciência às vezes é tão incômoda quando surge à noite, no momento exato que se está para dormir. Por mais que se queira espantar os pensamentos que surgem neste momento, eles continuam insistentemente ecoando na nossa mente, nos impedindo de dormir. Por mais que você afirme “Não vou pensar mais nisso” ou, nas palavras do eu lírico, “Vou levantar outra parede”, nada pode afastar os pensamento incômodos. A noite parece despertar estes pensamentos mais incômodos, e acabamos por remoê-los até nos cansar e dormir. Ou não dormir, dependendo a intensidade com que eles nos invadem.

Augusto dos Anjos não é o primeiro a pensar animais alados de hábitos noturnos como metáfora para os pensamentos incômodos que nos atacam à noite. O artista Francisco de Goya possui uma gravura bastante peculiar sobre este tema.
O sono da razão produz monstros, de Francisco de Goya.

Um exemplo de soneto menos narrativo:

Vês?.'Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua ultima chi mera.
Somente a Ingratidão - esta pantera
Foi tua companheira inseparável !

Acostuma-te á lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fosforoAcende teu cigarro !
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Si a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija !

Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos.

Em Versos íntimos, escrito em 1901, temos toda a angústia de Augusto. Nós interpretamos o poema desta maneira:

Na primeira estrofe, temos a associação de sentimentos humanos a figuras ferozes e que nos causam medo, como a pantera.

Na segunda estrofe, uma perspectiva que o ser humano precisa se tornar feroz e egoísta como os outros para sobreviver. Uma maneira bem sombria de ver o determinismo científico em voga na época, que postulava que o ser humano é influenciado pelo meio em que vive.

Na terceira estrofe, temos um momento de ansiedade enquanto se tenta relaxar (acender um cigarro) contrastando com a completa desconfiança em relação as pessoas mais próximas.

Por fim, na quarta estrofe temos a conclusão do ponto de vista pessimista em relação à humanidade construída poeticamente nas estrofes anteriores, quase como aconselhando o seu leitor a compactuar deste ponto de vista. Versos íntimos é de fato um mergulho no íntimo de Augusto dos Anjos e como ele observava o mundo ao seu redor. Aparentemente, Augusto colocou tanto de si em suas poesias, que as utilizou como uma definição do que ele era. Talvez por isso tenha intitulado seu único livro de poemas como “Eu”.

Algumas curiosidades:
  • A escritora Ana Miranda romanceou a vida de Augusto dos Anjos no livro A Última Quimera (Companhia das Letras).
  • O cantor Arnaldo Antunes chegou a musicar o poema Budismo Moderno, que podem ler no início deste texto. A canção se encontra no álbum Ninguém, lançado em 1995.
  • A poesia de Augusto dos Anjos encontra-se em domínio público, portanto vários de seus poemas são possíveis de se achar pela a internet.
  • Sugestão: procure comprar ou baixar o livro “Eu e outras poesias”, a experiência com a poesia de Augusto dos Anjos torna-se mais rica quando você lê o primeiro poema do livro, “Monólogo de uma Sombra”, antes de ler os seguintes.
  • Há um memorial dedicado ao poeta na cidade de Sapé, na Paraíba.
  • Há um museu em Leopoldina, nas Minas Gerais, na casa onde Augusto passou os seus últimos dias.

Fontes:


Anjos, Augusto dos. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Amanhecer com poesia: Idealização da Humanidade Futura, de Augusto dos anjos.


Não raramente, vários escritores imaginaram distopias do mundo marcadas por um pessimismo e ceticismo acerca do futuro da humanidade. Alguns escreveram livros, romances, poemas e até ensaios sobre o assunto, mas, particularmente neste soneto, Augusto dos Anjos imagina de um jeito bastante imaginativo como é a sua visão de distopia.

Uma boa semana a todos.


Idealização da humanidade futura

Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
— Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais! —

Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!

Extraído de: Jornal da Poesia

domingo, 24 de julho de 2016

Símbolos Ressignificados: A Cruz

Hoje discutiremos sobre mais um símbolo que foi recebendo os mais diversos significados ao longo da história até ser ressignificado pelo estilo gótico no século XX.

A maioria de vocês deve conhecer a cruz como símbolo máximo de muitas religiões cristãs, sobretudo da Igreja Católica, pois segundo os evangelhos bíblicos, Jesus Cristo fora pregado em uma. Isso se deu porque era uma prática comum do Império Romano (que tinha o domínio sobre a cidade de Jerusalém) crucificar criminosos ou desafetos dos poderosos. Não é por acaso que a palavra cruce do Latim significa tortura, visto que a crucificação não envolvia somente o condenado ser pregado com vergões em uma estaca de madeira. Geralmente, as pernas do condenado eram quebradas e lá ele era deixado para morrer pela fome, sede e insolação. O crucifixo se tornou símbolo do cristianismo após esta religião ser admitida como oficial no Império Romano regido pelo imperador Constantino no século III.

 Cristo Crucificado (1780), de Francisco de Goya (1746-1828)

No entanto, devido à simplicidade de sua forma, já possuiu as mais diversas formas e significados em todos os continentes, muito antes do Império Romano. Por isso, vou fazer uma apanhando de algumas cruzes (porque existem várias) e seus significados para enfim falar um pouco da cruz na subcultura gótica.

Exemplos de cruz ancorada
Cruz ancorada: Na tradição cristã, simboliza que a esperança está em Cristo. Foi adotada como símbolo de São Clemente, Bispo de Roma que, segundo a tradição bíblica (Hebreus, capítulo 6. Versículos 17-2), teria sido amarrado a uma âncora e lançado ao mar por ordem do imperador romano Trajano. Atualmente, muitos costumam utilizar a cruz ancorada como adereço estético talvez por evocar o mar e junto com este, os sentimentos de solidão e abandono ou por simplesmente gostarem do formato.

Cruz invertida
Cruz invertida (ou Cruz do Apóstolo São Pedro): Bastante referenciada quando se quer marcar uma subversão dos valores cristãos, visto que inverte a posição costumeira do crucifixo cristão. Talvez por isso seja associada ao anticristo e ao satanismo, embora sua origem seja na tradição em que São Pedro, apóstolo de Jesus, pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, julgando-se indigno de ser crucificado como seu mestre








Cruz grega
Cruz Grega ou quadrada: Desta cruz derivam todas as utilizadas em heráldica. Apesar do nome, foi encontrada por arqueólogos em regiões primitivas da América Central. Pode representar os quatro elementos: ar, fogo, água e terra.







Cruz da paixão
Cruz da paixão: Cruz latina com as extremidades pontiagudas. Na tradição cristã, representa o sofrimento de Jesus Cristo na sua crucificação. Bastante usado como molde para alguns crucifixos góticos.





Cruz da batalha
Cruz da batalha: Lembra a muralha de um forte ou de um castelo.






Cruz Pátea
Cruz Pátea: Bastante confundida com a cruz de malta, trata-se de um símbolo que muitos cavaleiros e ordens religiosas portavam em suas vestes como símbolo de distinção. Nas vestes dos templários era vermelha; nas dos hospitaleiros era branca; nas dos teutônicos era preta. A cruz dos teutônicos derivaria na cruz de ferro.



Cruz de Malta
Cruz de malta: Simboliza os cavaleiros de São João, que foram levados pelos turcos de Rodes para a ilha de Malta. Sua forma de quatro pontas de flecha apontando para o centro fazem dela uma cruz de meditação.






Uma cruz celta
Cruz celta: Anterior á introdução do cristianismo na Bretanha e Irlanda, esta cruz representa os celtas. Após a conversão dos celtas, esta cruz foi incorporada à religiosidade cristã deste povo. Sua iconografia mais próxima da original é esta, geralmente presente em pedras esculpidas, embora haja muitas outras representações e variações desta cruz.









Tipos de cruz de Santiago
Cruz de Santiago: Insígnia da Ordem Militar de São Tiago, fundada em 1160 para defender os peregrinos que se dirigiam ao Santo Sepulcro do apóstolo São Tiago de Compostela. Seu formato e suas variantes são bastante utilizados na confecção de crucifixos góticos e, para alguns, é associada ao vampirismo, talvez pelo seu aspecto pontiagudo.




Cruz da trindade
Cruz da trindade: Representa a santíssima trindade do cristianismo.







Cruz de Anu
Cruz de Anu: Utilizada para representar o deus Anu, venerado originalmente por assírios, caldeus e, posteriormente, por sumérios e babilônios. Trata-se de um deus que representa o céu. Este símbolo sugere a irradiação da divindade em todas as direções do espaço.






Cruz copta
Cruz Copta: Derivado do símbolo Ankh quando o cristianismo foi introduzido no Egito. Atualmente, pode apresentar outros formatos.







Ankh
Ankh: Geralmente chamada de cruz egípcia, por sua origem. Simboliza a vida eterna e atualmente largamente utilizada como modelo para tatuagens, brincos, colares, etc.. 
Mais informações sobre sua origem e significados, clique aqui.







Cruz bizantina

Cruz bizantina: Utilizada pela Igreja ortodoxa grega.








Cruz solar
Cruz solar: Utilizada em algumas celebrações neopagãs, muitas vezes entendida como uma variação da cruz céltica. Na cultura céltica, o círculo representaria o infinito e a cruz, os quatro grandes festivais celtas. No entanto, aparece em outras culturas como símbolo dos asatrus (que cultuam o deus nódico Aesir); no budismo, como a representação da roda da vida; e não raramente, menciona-se como representação do calendário solar e seus movimentos, os solstícios.



Não se sabe a origem exata da cruz, mas como podem ver, este símbolo apresenta os mais diversos significados e usos. Focando na subcultura gótica, geralmente expressam aspectos como vampirismo, a solidão, a morte, o medieval, o misterioso. Não raramente podem remeter ao sofrimento, mas não ao sofrimento de Cristo, mas sim ao sofrimento individual e existencial daquele que se considera apartado da sociedade e busca um símbolo que o acolha. E assim, passa a utilizá-lo como uma espécie de amuleto.

Claro, todos esses significados variam conforme as ornamentações estéticas que o símbolo recebe. Existem vários exemplos de crucifixos góticos na internet, mas vou lhes mostrar alguns que fazem parte da minha coleção pessoal.




 Fontes